Nasci no dia 30 de abril, mas poderia ter sido no dia 10 de maio, como estava previsto. Sou a segunda, filha de pais separados desde meus 5 anos de idade. Isso também importa, assim como tudo que aconteceu na minha história importa.
Hoje eu penso que não houve nenhum evento traumático a que eu não pudesse superar, todos eles foram perfeitamente necessários.
Eu vivo e morro a cada dia. Eu nasci e vivo pra morrer; e voltar sempre, fazer parte sempre. Não acredito que as coisas se acabem, acredito que elas estão sempre num movimento de consubstanciação, a união da criação ao criador.
Não tenho religião, pelo menos nenhuma que seja conhecida pela humanidade ou que tenha um templo ou um nome. Não tem sacerdote na minha igreja, e minha igreja é o próprio mundo.
Eu acredito na transformação.
Fui criada por minha avó Clara, que me ensinou que "na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma". Isso mesmo, a Lei de Lavoisier. Aprendi isso no seu "laboratório" gastronômico, que também era um "ateliê" culinário, porque se tratava de alquimia e arte ao mesmo tempo. E ela era uma alquimista naquela cozinha. Eu me impressionava como ela conseguia produzir deliciosas tortas, bolos, suflês, sopas com a mistura de ingredientes de sabor insosso ou até mesmo desagradável; e ela era também uma artista, porque além de ficar tudo muito gostoso, fazia tudo com muita delicadeza e sensibilidade.
Enfim, o que eu aprendi é que eu posso estender o espaço de experimento para fora da cozinha e que eu não preciso desperdiçar nada, absolutamente tudo se aproveita. Cada sentimento e pensamento, cada idéia, cada opinião (mesmo que mude logo em seguida). Eu possso aproveitar tudo, sem censura, sem vergonha, sem limites.
E assim como as maravilhas da vovó que eu apreciava tanto com o paladar, com o olfato, o tato e a visão, eu estou verificando que é também desse jeito com a vida, com tudo na vida, tudo o que vem. Eu também posso transformar o que num primeiro momento acho ruim pra mim ou que me cause medo em uma experiência maravilhosa.
É uma questão de experienciar, e para isso é preciso se jogar, se entregar. Isso me dá medo sempre, mas aprendi também que mesmo o medo não significa que eu sou covarde, que eu não posso, que não sou capaz ou que é perigoso e mesmo o medo não me impede de ir, de viver, de experimentar. O medo é um sentimento natural que sempre vem sob a iminência do que é desconhecido, daquilo que nunca provei. O medo é a dúvida, é preconceituoso, mas é extremamente necessário, porque é ele que eleva o momento. O medo é como o sal. É um tempero necessário.
O importante é desapegar.
Também venho aprendendo que não preciso me apavorar com o medo e sim aceitá-lo e em seguida soltá-lo, liberá-lo. Também não é uma questão de resistência, nunca é. É imperioso se entregar, ainda que não significa se acomodar. Pelo contrário, a entrega para mim tem sido um exercício e, como todo exercício, no início causa desconforto.
Humildade.
Onde caberia a humildade nisso tudo? Pois é, a humildade é como o fermento. É ela um sentimento que me iguala ao todo. Também me aproxima de tudo, me nivelando ao que é extremamente natural, ao que é verdadeiramente real. A humildade me permite tudo isso que eu já disse, todo esse encontro, de maneira infinitamente plena. E plenitude é sinônimo de abundância. E abundância pra mim não é o que é demais, além da conta, pelo contrário, é o que é satisfatório, é a medida exata para o bem-estar essencial.
E a felicidade que se encerra nesses momentos, é como gota, é como um extrato de Deus, tão singular e genuína e por isso mesmo, a própria verdade.
Por fim, essa verdade, é o néctar mais saboroso. E na cozinha da vovó ela é a baunilha.
saudades da vó clara... das histórias, dos obsessores mil, e claro, da cozinha maravilhosa.
ResponderExcluirbjos minha querida